Nascemos prontos para morrer

Nascemos fadados ao túmulo e ainda não aprendemos esta óbvia lição. Apenas uma combinação precisou ocorrer, formada por incontáveis coincidências universais e mundanas, para que a morte fosse o desfecho de tudo: começando com o surgimento do Universo e de bilhões e bilhões de esplendorosas galáxias, a origem, a evolução e a extinção de milhões de espécies de seres vivos na Terra, até chegarmos, finalmente, à primeira troca de olhares entre nossos pais. Somos portadores de uma identidade genética e de um acúmulo de experiências sociais que nos tornam únicos, e isso nos influencia de tal forma que dificilmente conseguimos nos libertar. Cada átomo do nosso corpo é uma poderosa aventura.
E, no entanto, tudo isso acontece para demonstrar que já nascemos prontos para morrer. Quando um bebê vem ao mundo, tudo lhe falta para que ele continue vivo. Os cuidados e o seio materno, a resistência contra predadores microscópicos e outras formas de proteção, nada disso a pobre criança possui ao nascer. Alguém muito generoso precisa dar a ela o que ela é incapaz de obter sozinha. E uma vez que um erro fatal é cometido em sua fase de crescimento, perdem-se todas as chances de corrigir até os menores descuidos. Não é como um retorno ao final da fila de uma bilheteria para comprar um novo cupom. Talvez o propósito natural da vida seja sobreviver às forças que estão dispostas a nos aniquilar, e acho que o pior jeito de fazer isso é fingindo que a certeza da morte nos dá uma trégua quando estamos felizes.
Somos tão únicos, e de certo modo tão insignificantes, que no futuro a nossa história será um espetáculo carente de espectadores, um tesouro perdido, como a vida de um camponês que morreu de peste negra na Idade Média. Fala-se mais da própria peste do que dos funerais que ela causou, porque a história de bilhões de seres humanos, de todos os amores que eles um dia tiveram, foi e sempre será afogada no oceano da inexistência, no esquecimento absoluto. Daqui a alguns anos, ou poucas horas, não existirá outro “você” para continuar o que você deixou incompleto hoje. E o Universo inteiro será insensível perante à carne em decomposição, e surdo perante os batimentos cardíacos que aquecem o nosso sangue. O tempo se torna um juiz imprevisível e caprichoso que condena até a mais doce das criaturas.
Mas a consciência de que nascemos destinados ao sepultamento, e de que não existe imortalidade para nos iludir, paraíso para nos entediar ou inferno para nos punir, deveria criar em nós uma urgência para realizar, dentro do nosso alcance, tudo o que há de mais precioso na vida. Saber disso, como sugeriu o astrofísico Neil deGrasse Tyson, nos dá o poder de demonstrar amor agora, e só agora, não depois. Bertolt Brecht, por sua vez, nos orientou a temer menos a morte e mais uma vida insuficiente. Podemos não sentir a dor, mas somos golpeados enquanto os segundos avançam com rigidez. Quando menos se espera, um ano se vai, depois uma década, e mais outra, e mais outras… Ficamos ansiosos para desfrutar de um novo amor, mas evitamos experimentá-lo quando ele surge; temos medo de que o fogo queime; somos mais seduzidos pelo tédio do que pelos riscos; muitos sentem prazer em jogar fora os relacionamentos quebrados, em vez de consertá-los e aperfeiçoá-los; preferem a rotina, e não o precipício do caos. E, à medida que o relógio segue o seu rumo, ficamos mais longe de descobrir quantos segundos cabem numa vida, ou quantas vidas cabem num segundo.

Já viemos ao mundo condenados à morte. Cabe a cada um encontrar a maneira mais intensa de cumprir a sentença da própria vida.

Fonte: universoracionalista
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